7. Em que diferem as cirurgias para ceratocone das cirurgias de correção refrativa?
É muito importante a gente diferenciar a cirurgia terapêutica da cirurgia refrativa eletiva para tratar o grau refrativo. Basicamente as cirurgias podem ser iguais, usando as mesmas tecnologias de laser ou implante de anel. Mas o resultado que define o sucesso é muito diferente. De uma forma bem simples, a cirurgia refrativa tem como objetivo diminuir ou mesmo eliminar a dependência de correção por óculos e com isso, o paciente ficar mais feliz. No caso do ceratocone o objetivo da cirurgia é diferente, sendo o de reabilitar a visão para o paciente mesmo poder enxergar com correção. Eventualmente, a cirurgia terapêutica pode ter resultado tão bom e possibilitar enxergar sem óculos, mas este não deve ser o objetivo final. Então, visão corrigida seria a medida de sucesso depois da cirurgia terapêutica. Por outro lado, se um paciente precisa de óculos depois da cirurgia refrativa, isso pode ser considerado como um insucesso desta cirurgia eletiva refrativa.
Tal questão deve ser compreendida tanto pelo paciente como pelo médico e sua equipe. A orientação e as expectativas são fundamentais para o sucesso. Destaca-se a fórmula do que é sucesso e do que é felicidade, sendo a razão entre o resultado e a expectativa. Então se você tem expectativa muito alta, dificilmente vai conseguir ficar feliz com o resultado por melhor que este seja. E é muito importante a gente considerar essa diferenciação do que é terapêutico e o que é refrativo para poder aumentar a nossa capacidade de ajudar o paciente e trazer sucesso para os estes procedimentos.
6. Como o estudo da biometria ocular ajuda na avaliação dos pacientes com ceratocone e candidatos para cirurgia refrativa?
A biometria é o estudo do tamanho do olho. Começou usando ultrassom e hoje usa recursos ópticos sem necessidade de contato. Esses recursos óticos são medidas mais precisas, mais confiáveis e vão facilitar o cálculo da lente que vai ser implantada dentro do olho na cirurgia de catarata. Essa foi a primeira aplicação clínica da biometria.
A biometria também é importante para entender a evolução do grau refracional que pode estar evoluindo ou não. Principalmente, em crianças que começam a miopia nos primeiros anos de vida, o estudo do tamanho do olho permite entender melhor sobre o grau de miopia. Podemos assim, ao ver que miopia está aumentando, saber o porquê de estar aumentando. Pode aumentar porque a córnea fica mais curva, o que pode eventualmente ser relacionado com a progressão do ceratocone, ou se olho está crescendo. Então, a documentação da biometria do tamanho do olho é muito importante neste tipo acompanhamento clínico por ajudar a entender o que está acontecendo.
Esta abordagem é fundamental para acompanhar os casos de prescrição da atropina, que é um colírio indicado para crianças que estão com miopia em desenvolvimento. Este tratamento visa inibir o crescimento do tamanho do olho, sendo esta medida portanto fundamental para indicar e avaliar sua eficácia.
Em outra situação, após a cirurgia de miopia em que o grau praticamente zerado, pode haver recorrência desta miopia, que pode voltar porque o olho está crescendo. A medida da biometria vai possibilitar entender melhor do que está acontecendo com o paciente e até dar indicação do que esperar no futuro pois o olho crescendo precisa ter mais atenção a retina. Sempre falo para os pacientes que fazem cirurgia de miopia que “a retina ainda é a retina de um míope”. E a retina de um míope do olho que está crescendo precisa de ter ainda mais atenção. Um especialista em retina deve ser a pessoa indicada para fazer um mapeamento da retina pelo menos uma vez por ano. E a correlação do tamanho do olho com essa evolução é muito importante.
No caso do ceratocone, a miopia pode estar associada à questão da córnea ser muito curva ou o tamanho do olho mais alongado. Quando vamos fazer um planejamento de uma cirurgia com implante de anel ou mesmo fotoablação associada ao cross-linking, que é o protocolo de Atenas, estes dados são importantes para individualizar o tratamento, aumentar as chances de sucesso e melhorar o resultado para o paciente.
5. O que é o exame Wavefront e como ele pode ajudar?
O estudo do Wavefront, ou aberrometria ocular, é uma avaliação objetiva da óptica do olho examinado. Com essa avaliação, podemos entender as aberrações de baixa ordem, que é o grau tradicional de miopia ou hipermetropia (grau esférico) e o astigmatismo regular. Dessa forma, podemos prescrever óculos melhores para o paciente. Adicionalmente, entendemos além das aberrações de baixa ordem, detalhando as aberrações de alta ordem que podem ser entendidas como a irregularidade (astigmatismo irregular), como no caso do ceratocone. De fato, o entendimento dessas aberrações pode ajudar a fazer exame de refração e prescrever óculos de melhor qualidade. Já temos plataformas digitais para fazer óculos mais precisos e principalmente estes casos de irregularidade podem se beneficiar desta tecnologia. Mas além dos óculos serem muito bem prescritos, têm que ser muito bem montados, de boa qualidade.
4. Como funciona o exame de biomecânica da córnea e quais as suas aplicações clínicas?
O comportamento biomecânico da córnea tem várias aplicações clínicas. A primeira delas é entender a própria pressão ocular. Quando a gente faz a medida da pressão usando o tonômetro de Goldmann (aquele azulzinho que encosta no olho), tem grande influência da parede onde se está medindo a pressão – a córnea. Obviamente, queremos saber a pressão dentro do olho mas temos que ver a pressão de aplanação daquele tonômetro para poder entender a pressão ocular, e a parede, no caso, a córnea, faz uma influência dessa medida de acordo com sua resistência. Entretanto, desde os estudos originais do Goldman nos anos 1950, já se sabe que a córnea influencia a medida da pressão ocular.
Entre as propriedades da córnea, a espessura pontual passa a ser um parâmetro importante para se corrigir a pressão. No caso, o comportamento biomecânico permite que tenha uma informação extra para poder medir a pressão de uma forma corrigida. Trabalhamos com este tipo de avaliação há mais de 10 anos. Primeiro com o ORA – Ocular Response Analyzer, que é um tonômetro de sopro que faz a monitoração de uma região central da córnea. Posteriormente com o Corvis ST, temos a imagem horizontal de Scheimpflug que vai monitorar de forma mais detalhada esta deformação. Esta abordagem gera informação para corrigir a medida da pressão ocular e também entender o comportamento biomecânico da córnea, o que é fundamental nas doenças ectásicas como ceratocone.
A integração da tomografia com o estudo biomecânico se mostra como recurso mais preciso e acurado para o diagnóstico precoce do ceratocone. Estudos que realizamos com a engenheira biomédica, Prof. Cynthia Roberts (Universidade do Estado de Ohio) e o colega oftalmologista italiano Dr. Paolo Vinciguerra (Inst. Humanitas – Milão) geraram o ARV (Ambrósio-Roberts-Vinciguerra) display.
3. Quais as diferenças entre tomografia de Scheimpflug e com Coerência Óptica (OCT)?
A luz visível, azul, é usada para fazer tomografia por fotografia de Scheimpflug. Na verdade, a fotografia de Scheimpflug é mecanismo bem conhecido por fotógrafos no qual a angulação da lente aumenta a profundidade de foco de modo a se conseguir uma imagem em foco em planos diferentes. Por outro lado, a tomografia de coerência óptica usa coerência óptica do laser em comprimento de onda não visível para o olho humano. O exame tem a capacidade de perceber o sinal de retorno ao estímulo do laser no tecido. Em outras palavras, a luz de laser coerente vai e volta, de modo que podemos ter detalhamento do tecido de forma não invasiva e bastante precisa, principalmente quando se utiliza os recursos mais modernos com escaneamento em altíssima velocidade para caracterizar camadas da córnea.
Temos o epitélio, o estroma e a camada interna da córnea ou endotélio. Tal exame pode ajudar a avaliar pacientes com diferentes doenças, como o ceratocone e a disttrofia de Fuchs. E, no caso de cirurgia de córneas, essas informações são muito valiosas para azer o planejamento, e, obviamente, para acompanhamento depois da cirurgia. Com isso, podemos ver como está essa resposta cicatricial de cada olho de cada paciente.
É importante entender que a tomografia de Scheimpflug e a tomografia de coerência óptica são ainda complementares, e as duas são necessárias. Isso porque os mapas derivados da tomografia de Scheimpflug trazem informações que o OCT não pode gerar ainda. Também temos os recursos de inteligência artificial para fazer o diagnóstico precoce de ceratocone. Destacamos o display Belin Ambrósio no trabalho original nosso com o amigo e colega, professor Michael Belin, da universidade do Arizona. Neste, temos as informações da face anterior da córnea, da face posterior da córnea, e da espessura para ter uma avaliação de uma forma objetiva em relação ao diagnóstico precoce do ceratocone.
2. Qual a diferença entre topografia e tomografia da córnea?
Topografia de córnea estuda a superfície. A tomografia faz uma reconstrução tridimensional da córnea. É importante entendermos essa diferença, bem como que um não vai substituir o outro. Enquanto ambos fazem a caracterização da superfície, a topografia com disco de Placido, temos a possibilidade de avaliar o filme lacrimal, sua estabilidade e qualidade. De fato, além dos reflexos do disco de Placido, temos novos métodos de iluminação nos sistemas de topografia como o Keratograph 5M (Oculus) para avaliar o filme lacrimal junto com a topografia, destacando-se o estudo das glândulas de Meibomius. Isso vai ajudar a entender o paciente em relação à questão da cirurgia de olho seco ou disfunção lacrimal.
Portanto, a tomografia completa a topografia porque você tem a reconstrução tridimensional com o estudo da espessura e da elevação da curvatura posterior córnea (face interna).
1. Quais exames complementares precisam ser feitos para avaliar pacientes com ceratocone ou candidatos para cirurgia refrativa?
Quando se fala em exames complementares de imagem da córnea e dos aspectos refrativos do olho, é interessante fazer um paralelo com a revolução que a cirurgia refrativa trouxe para a oftalmologia. Na década de 80, o advento de cirurgias para a correção do grau refracional se deu inicialmente com a ceratotomia radial. Nos anos 90, houve a introdução do excimer laser e posteriormente o laser de femtossegundo. A (r)evolução relacionada trouxe a necessidade de uma avaliação mais completa e detalhada. Tal estudo deve ser feito tanto do ponto de vista da quantidade e qualidade da visão, bem como dos aspectos anatômicos e óticos da córnea. A córnea é a lente transparente que temos na frente do olho, onde as cirurgias refrativas de correção visual são realizadas, com o objetivo de corrigir o grau ao modificar o seu poder óptico.
Devemos entender a córnea de uma forma bastante detalhada. Inicialmos com a topografia. A topografia de Plácido estuda a superfície da córnea. A avaliação da superfície é importante porque é justamente esta na qual está o maior efeito no grau. Em outras palavras a interface entre a lágrima e o ar faz o maior poder de convergência dos raios para luz entrar dentro do olho e fazer um foco na retina. Então, a topografia avalia a superfície da córnea.
A tomografia da córnea usa a fotografia de Scheimpflug. Esta faz a avaliação das superfícies anterior e interna ou posterior da córnea. Com isso, temos um mapa de espessura, que é a distância entre estas duas superfícies. De fato, a tomografia faz uma avaliação mais completa da córnea com a reconstrução tridimensional. Tal abordagem permite a identificação precoce de doenças, como no caso do ceratocone frustro ou subclínico. Também ajuda muito no planejamento da cirurgia e avaliação no pós-operatório das cirurgias refrativas e terapêuticas.
Temos ainda a tomografia segmentar, usando a tomografia de coerência óptica (OCT). Este sistema permite a segmentação de camadas da córnea. A córnea tem basicamente a camada epitelial, a camada estromal e a camada interna, que é o endotélio. Essa camada epitelial é muito importante e tem rápida renovação (turnover) das células. Temos uma renovação celular completa a cada semana. Quando fazemos a cirurgia, essa camada está ativamente modifica, sendo esta cicatrização capaz de mudar o resultado da cirurgia. No caso da cirurgia de ablação de superfície ou PRK, tiramos esta casquinha de células superficiais (epitélio) para tratamento refrativo com o laser. Sabendo a espessura desta camada de células superficiais, podemos programar o laser de uma forma mais eficiente. Então, a tomografia segmentar é um recurso muito importante, para não dizer fundamental, na avaliação de qualquer caso de cirurgia de correção visual a laser.
Por meio do estudo biomecânico da córnea, vemos o comportamento da córnea frente a um estímulo. No caso, o jato de ar na tonometria de não contato, serve para medir a pressão há décadas. Com este estudo, fazemos uso de um sistema de iluminação na córnea para a monitoração detalhada desse processo da deformação da córnea. Destas informações, teremos uma medida de pressão mais correta e informações sobre comportamento estrutural da córnea, que são importantes para diagnosticar, estadia, prognosticar ceratocone, bem como gera dados capazes de aumentar a eficácia ao se planejar cirurgias terapêuticas ou de correção visual a laser.
O estudo do Wavefront ou aberrometria ocular avalia a ótica do olho todo. Basicamente entendemos como o paciente enxerga. A aberrometria permite que quantificar as aberrações ópticas do olho de uma forma mais completa do que a refração tradicional. Quando faz a refração, basicamente o grau esférico que é de miopia ou hipermetropia, e o grau de astigmatismo são avaliados. Com o exame, quantificamos as aberrações ópticas de alta ordem que vão caracterizar qualidade da visão.
E isso é importante para se identificar condições que os pacientes podem ter em uma cirurgia, que são mais ou menos favoráveis pelo tratamento de correção visual a laser, por exemplo. Em outras palavras, podemos identificar casos com maior risco de complicações. É importante a gente dizer que estes exames geram informações a mais. Estas ajudam a reduzir problemas e complicações, bem como aumentam a eficiência na correção. Mas, de forma alguma, a tecnologia pode garantir um planejamento perfeito. Isto porque existem questões como a cicatrização e o comportamento biomecânico da córnea. Então, quando a gente começa a entender um pouco mais sobre cada caso, temos condições de fazer um planejamento mais seguro e eficaz. E isso faz a cirurgia personalizada no patamar de melhor qualidade.
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